28/06/2006


O não querer e o nunca mais

Cinco anos. Em todos eles, não recebi nada; exceto uma filha no último. Encomenda surpresa.
Cinco anos. Em todos eles, sorriso amarelos, falsas juras de amor e carinho rígido.
Cinco anos. E nem um pingo de respeito.

Os santos não a apoiaram, mas ouviam suas preces agora. Nada era mais pesado que a arma, nada era mais rígido que o gatilho, nada ardia mais do que o ódio, nada pulsava mais que a angústia, nada falava mais alto do que os extinto.

Estava escuro demais, e a mira parecia incerta sob a luz da lua e das estrelas. O frio dói a mão e queima o rosto. Ela engatilha e se assusta. A arma está perfeitamente paralela. O tiro.
O vidro quebra e os cacos se espalham. Ele é atingido e o sangue jorra, sujando tapetes caros e móveis refinados. Ele tem espamos olhando para o próprio abdome estraçalhado.
Ele gritava de dor, mas ela não queria ouvir.
"Pouco me importa se vai matar ou não. O que eu quero é que ele sinta dor. O que eu quero é que ele arda de ódio. O que eu quero é que ele se ponha em meu lugar", pensou.

Ela deu meia volta, e foi embora.
Deixou a propriedade enorme com passos lentos. Seu salto alto marcava a grama macia coberta de gelo. Respirava fundo para acalmar as palpitadas aceleradas do coração. "Que lhe sirva de lição, desgraçado". Passou do portão e já se sentia mais calma. Do lado de fora, havia uma outra mulher, segurando uma criança pequena nos braços. Entregou-lhe a criança e entrou no prédio vizinho.
Ela e a criança, de mãos dadas, foram até uma pequena ponte perto dali. "Eu nunca te amei, idiota", ela pensava. Pisou na arma e depois chutou para o rio. A criança de um ano e quatro meses observava a mãe atentamente, enquanto tentava se equilibrar nos pezinhos pequenos e ainda fracos.
"Daqui em diante, você é só parte do passado".

Algumas horas depois, ela saiu com uma mala não muito grande na mão esquerda e a criança no braço direito. Passou na casa da moça que tinha lhe ajudado antes, e passou a chave de sua casa por debaixo da porta da moça. Pegou um táxi e desceu até a rodoviária.
"Nessa cidade eu não volto nunca mais". Guardou as malas, sentou-se e repousou a cabeça na janela. A criança encarava a mãe com olhos pequenos e as pálpebras pesadas. "Foi um longo dia e será uma longa viagem, é melhor que você durma". Acariciava seu rostinho macio e fitava seus olhos claros se fechando aos poucos.

Motivos são inconstantes. Cinco anos resultam mil e noventa e cinco dias; consequentemente, mil e noventa e cinco motivos - ou mais. E a tolerância é enorme, mas se esgota. Depois de inúmeras tentativas frustradas, ela só quis mostrá-lo como é estar na pele do outro.
"Estúpido". Os poucos momentos românticos eram falas roubadas de livros. Sempre tão agressivo. "Canalha". Usando de outras e outras do mesmo jeito que usava dela. "Egocêntrico". Nunca se importou com ninguém além de si próprio. "Traidor". Deixou-a com a filha e nada mais. Sem roupas, teto, muito menos dinheiro. "Idiota". Pensou que ela voltaria atrás. Pensou que ela sentiria falta. Ah, é um verdadeiro iludido.

Agora, ela iria pra longe. Deixara a casa e os poucos móveis que tinha conseguido. Não aguentaria mais tentar recomeçar sua vida se ainda tivesse na mesma cidade que ele. Mas agora, era uma nova chance. Seria melhor pra ela, seria melhor pra filha, seria melhor pra tudo.
No fundo, ela se preocupava um pouco em saber qual era o estado dele. Mas depois negava. As lembranças boas sempre aparecem nesses momentos perturbados. Melhor mesmo era dormir. E ela dormiu.
Acordou cinco horas depois, com a filha quase caindo do seu colo e o sol, tão brilhante que quase cegava. Ela tenta arrumar a saia e nota alguns cacos de vidro nas pernas. Tira-os, um por um, vendo uma pequena quantidade de sangue saindo. Pega um lenço dentro da bolsa e seca as gotas que escorrem.
Vestiu o casaco, escovou os cabelos, calçou as sandálias de salto alto. O corpo não era mais tão gracioso como fora antes da gravidez, mas ela o aceitava mesmo assim.
Tivera pesadelos com a noite anterior e com ele tentando a perseguir. Mas despreocupou-se logo depois. "Talvez estes sonhos durem semanas, mas eu não me arrependo. Ele não se vingaria de mim, porque lhe falta coragem para atos tão precisos".

Ela não sabia, mas ele a amava. Descobrira isso apenas depois de passar longos quatro meses longe dela. E o que ele gritava enquanto sentia dor eram declarações. Ele não se importou com a dor. Ficou emocionado de vê-la novamente, e clamava pela sua volta. Mas ela não o ouviu. Ela não quis o ouvir.
Mas talvez fosse melhor. Mesmo se ela o perdoasse, não teria mais nenhum futuro para repor o passado triste. Ele tinha deixado-a tudo: móveis, carros, dinheiro e a empresa. Mas o que ela mais queria, agora era só um corpo, sem mais batimentos cardíacos.

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marina, 21:27
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18, pólis do sr. floriano peixe oco, da capitania hereditária de santa catarina, uma mistura de perfeccionismo, teimosia, stress, muita curiosidade, amor transbordante, algumas boas amizades, maternidade perfeita, valores, com uma pitada de angústia e inveja, porque todo mundo tem.
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